“Ser, ou não Ser, eis a 'Chávez' da questão!”
Texto de Carlos Sintra*
De mochila ás costas, Janeiro é o mês eleito há alguns anos, para, na companhia de dois amigos, partir em busca de novas aventuras. Viajar para mim é muito mais que um conceito de férias, é uma aventura “pura e dura”. Poder estacionar noutra realidade, conhecer outras criaturas, coabitar e partilhar outras experiencias, é como viajar até outro Planeta! A decisão, desta vez, recaiu sobre a República Bolivariana da Venezuela! Só pela localização geográfica e pela misteriosa Grande Savana, já seria por si só, suficientemente aliciante. Quanto mais, pela adrenalina acrescida, gerada pelas notícias vindas a publico, tornando mais convidativa, a viagem para o “Planeta”, do bem (!?) conhecido “Frias” (nome por vezes utilizado pelos anti-Chávistas, dado ser esse, o seu último nome).
Antes da partida, pouca importância damos á preparação da aventura, para alem é claro, da simples reserva do voo. Desta vez decidimos abrir uma excepção, e resolvemos levar connosco, a “Chavéz” de acesso, a uma sobrevivência mínima, num “filme” que não tem, nem quer ter, este tipo de actores, entenda-se turistas.
Começando pela sobrevivência financeira (importante neste tipo de coisas…), constatamos uma realidade realmente de outro Mundo: dois tipos de câmbio muito desiguais... no câmbio oficial 1 € = 3 bolívares (levantamentos multibanco); no câmbio negro (encontra-se facilmente nas ruas) 1 € = 7 bolívares, podendo chegar aos 9, ou mais bolívares. Porque é que isto acontece? Simplesmente, porque o acesso á moeda estrangeira, é extremamente difícil. Se viajarem até lá, não se esqueçam de levarem convosco “alguns” Euros, em notas é claro, pois valem como ouro...ou seja, rentabilizarão a vossa viajem em mais de 50%! Poderão ainda abrir ou aceder a uma conta local (precisam de alguém conhecido) e pedir um cartão multibanco. Escapam dessa forma ás elevadas taxas aplicadas aos cartões europeus e evitam andar com muitos Bolívares no bolso… o que é importante por motivos de segurança!
Do litoral para a Grande Savana no Sul, do Este para Oeste, passando pela isla Margarita, percorremos – de autocarro, avião, jeep, táxis, a pé - seguramente mais de 3.000 kms! Em toda a nossa “estadia” não presenciamos, nem fomos vitimas de nenhuma investida menos “acolhedora”. Apesar de sermos confundidos frequentemente com os “gringos” (forma “carinhosa” como tratam os “amigos” norte-americanos), e de, em alguns lugares, sentirmos que, provavelmente seriamos os primeiros “mochileiros” a passar por lá! No entanto, passamos por pessoas armadas, militares em postos de controle, casas fechadas a “sete Chávez”, lojas com portas e janelas protegidas com aparatosos gradeamentos, para não falar dos condutores que nunca abandonam os carros, sem trancarem o volante com cadeado e verificarem a segurança das portas e alarme, antes de saírem das viaturas. Sente-se em alguns lugares, uma “certa preocupação” nas pessoas. É normal, ao cair da noite, assistir-se a um recolher quase obrigatório. Por algumas vezes, fomos avisados para não andarmos depois do “cair da noite”. Em resumo, não vimos “bruxas”, mas parece que as há!
A Venezuela é um dos maiores produtores de petróleo do mundo é também o responsável por quase todo o dinamismo da economia venezuelana. Com uma grande diversidade de paisagens, a costa venezuelana é banhada pelo Mar do Caribe, onde o turismo é uma actividade importante (Isla Margarita). Caracas é uma cidade bonita, mas muito cara. A única coisa barata na Venezuela é o combustível ... interessante país, que se dá ao luxo, de financiar a produção do combustível (dizem os anti-Chavistas, que o governo, injectou mais de 150.000.000 dólares, nos últimos 10 anos…) para que o Povo (o que tem automóvel…) possa esbanjar. Essa é a palavra certa, pois boa parte do parque automóvel, são autenticas “máquinas do tempo”, com consumos muito interessantes….Nada que preocupe o cidadão Venezuelano, a não ser que tenha preocupações ambientais! Na viagem que fizemos de Jeep á grande savana (1.400 kms!), na 1ª vez que paramos para atestar o Toyota Land Cruser a gasolina (não me lembro de ter visto carros a gasóleo…), o motorista “deu-se ao luxo” de pagar o deposito com umas moeditas que encontrou no chão da viatura! Fez-nos lembrar, a nós, “terráqueos”, nada habituados a este tipo de extravagancias, as nossas idas aos supermercados cá do burgo. Apenas com uma pequena diferença: a moeda de 50 cêntimos de euro, que levamos para o carrinho das compras, daria para pagar o tanque do combustível e ainda sobrava para mais… uns litritos! Coisa pouca, se pensarmos, que com os mesmos Bolivares, não conseguiríamos comprar… mais nada! Uma simples garrafa de água, chega a custar 30 vezes mais!
Os postos de combustível são vigiados e controlados constantemente pelos militares. É normal encontrar filas intermináveis de viaturas para atestar. Em Santa Elena do Uairén, cidade fronteiriça com o Brasil, descobrimos filas de quilómetros de viaturas vindas desse País, “apenas” com o objectivo de atestar o deposito. Para alem de manter a segurança, a presença dos militares visa impedir o contrabando do combustível.
Também presente, está a Guarda Nacional, mas junto do comércio… privado! Segundo o presidente, para “controlar” a subida de preços. A tal ponto, que resolveu num certo dia de Janeiro, fechar todas as lojas do Pais, para que fizessem um inventário. Resultado: nessa manhã fomos expropriados do nosso “desayuno”… e uma semana depois, resolveu expropriar os hipermercados Exito, uma cadeia de lojas franco-colombiana, por alegadamente terem preços mais altos que a… concorrência! Economia de mercado…
Outra medida que pretende implementar é o “ajuste cambial” (nada tem haver com o “outro cambio” existente), que passa por haver duas taxas cambiais oficiais: uma apenas para os bens essenciais (alimentação por exemplo), enquanto que a outra se destina aos restantes bens e serviços. A oposição está preocupada, pois acredita que os preços subirão em flecha… o governo não! Certamente, pela experiencia dos dois câmbios não oficiais….
Seja através de outdoors, ou simples inscrições, o que se vê nas ruas é a imagem do presidente Hugo Chavez. Com o slogan “Rumo ao Socialismo”, ou palavras de ordem, como “Socialismo, Pátria, ou Muerte”, ele promete uma mudança a implementar durante os próximos anos. A sua estratégia passa pelo encerramento de algumas empresas privadas, enquanto que as estatais, terão uma importância acrescida, principalmente as que geram maior riqueza ao país, ligadas ao petróleo. Muito criticado pela oposição, que o acusam de populista e responsável pela divisão do pais do ponto de vista social, mas abraçado pelos seus apoiantes, o governo vai dizendo, que é a voz do povo. E é para esse “seu” povo, que nas tardes de Domingo, o presidente Chávez, fala em directo na televisão. Num programa de muitas horas e de puro entretimento, é ele a figura principal, onde para alem de falar e cantar, aproveita para fazer campanha.
Apesar da instabilidade económica, a população vai encontrando algumas oportunidades de negócio. Exemplo disso, são os inúmeros taxistas “ilegais”, que circulam nas estradas. Qualquer carro, com uma simples placa a dizer “Táxi”, está pronto a trabalhar! Não tem que pagar impostos e muitos encontram desta forma, um complemento diário para os seus salários.
Não é por falta de “guias”, nem pelo custo das entradas (grátis), que os museus se encontram vazios. Em qualquer dos museus que visitamos, tivemos sempre direito a uma grande recepção…grande apenas pelo número de pessoas (sentadas…) presentes! Provavelmente será uma forma que o governo encontra para dar mais emprego… não rentabilizado, porque são mínimos os cuidados em manter esses locais limpos…!
O fuso horário de 30 minutos (para Portugal, são 4h30) é único no mundo! Foi o próprio presidente Chavez que escolheu o seu fuso horário. Continua a defender a ideia, dizendo que é para dar mais tempo de luz ás crianças… mas todos sabem que tem haver, com o simples facto, das actuais divisões horárias, terem sido impostas pelos EUA. Efeitos da anti-globalização…
Não será só com os EUA, que haverá sinais de “anti-globalização”, também com alguns países vizinhos. Depois de termos percorrido de carro, cerca de 1.000 Kms, para Guiria (extremo nordeste do País), cidade onde pretendíamos apanhar um ferryboat para Port of Spain (capital de Trinidad e Tobago, que praticamente se vê da costa), não podemos passar. As ligações entre os dois Países realizam-se apenas uma vez por semana…ás miércoles! Países tão perto, mas tão longe… será por falta de fiscalização?
Não será o caso nas partidas no Aeroporto de Caracas, onde a fiscalização é levada muito a sério! Toda a bagagem é inspeccionada minuciosamente, aberta e remexida vezes sem conta! Tudo isto depois de termos passado … por três controlos de Raio-X!!!
Hasta la vista!
* Carlos Sintra tem 42 anos e reside no Juncal. É profissional de seguros e conhecido de muitos de nós. Foi convidado pelos Editores do Vila Forte a partilhar connosco algumas memórias de uma viagem que fez recentemente à Venezuela, terra de Hugo Chavez. Os editores do Vila Forte agradecem-lhe a atenção.
Prof. António Câmara - Palestra
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