Terça-feira, 1 de Dezembro de 2009

Os nossos leitores têm a palavra

Texto de Ana Rita Sousa*

 

"Há cerca de dois meses atrás fui apanhada de surpresa. Soube que tinha ganho um concurso ao qual tinha quase por engano concorrido.  Um projecto meu tinha sido seleccionado para ser exposto na TokyoDesign Week.  Sendo a primeira vez a ganhar um concurso e também a expor o meu trabalho  fiquei obviamente super entusiasmada e imensamente feliz por isso, mas o facto de ser em Tokyo excedia toda e qualquer felicidade já para não falar em expectativa.

Depois da surpresa, depois de cerca de dois meses super agitados a conciliar horas extra de trabalho e preparação para esta exposição e viagem, há duas semanas atrás rumei a Tokyo com uma mochila cheia de expectativas, curiosidade, desejo de viver intensamente cada momento desta grande experiência.

Depois de 12 horas de avião aterro em Tokyo e antes mesmo de embarcar comecei a sentir me um pouco “Lost in Translation”. Começou a aventura!

Desembarco em Tokyo. Tenho que preencher vários formulários em que me questionam se viajo sozinha, se trago armas ou bombas comigo, se tenho intenções comerciais ou de morte... como assinalei as opções mais aborrecidas, sou considerada uma simples turista e deixam me entrar á vontade no país.

Do aeroporto ao Hostel passei por variadas etapas de transportes públicos, começam os desafios. Apercebo-me que muita gente não fala inglês,  achei que seria exagero o que me tinham dito amigos visitantes e habitantes do país anteriormente, não era exagero.

Esta é a primeira vez que saí da Europa, e num primeiro contacto com a cidade, sou invadida por um sentimento intenso do quão tudo isto é longínquo  de tudo. Isto, digo, país, cultura, ritmo, pessoas, a minha experiência aqui, etc.

Penso na minha terra natal, penso nas pessoas caricatas do Juncal,  penso no ritmo e no movimento daquela vila e penso no quão longínquo soa o Japão  a um habitante de lá que nunca tenha saído do país, por exemplo.

No Japão as pessoas são amarelas, têm olhos em bico e comem arroz com pauzinhos.

No meu primeiro contacto com o Japão  percebi que além das pessoas terem os olhos em bico e de não falarem inglês, as pessoas são também extremamente gentis e meticulosas, com o passar  dos dias vim a concluir que serão concerteza dos povos mais gentis com quem alguma vez lidei.

Em todos os aspectos esta tem sido uma grande e maravilhosa experiência, na maioria dos aspectos uma experiencia de grandes contrastes.

Grande parte do meu tempo nesta viagem foi dedicado à exposição e por isso, o que me resta é muito pouco para explorar tanto como gostaria, de qualquer forma a convivência diária tem sido extremamente interessante e enriquecedora.

Quando se monta uma exposição há sempre mil e uma questões a resolver, mesmo quando é simples e tudo parece ser fácil e rapidamente exequível, há sempre surpresas e contratempos, quando  estamos sozinhos a coisa torna se um bocadinho mais complicada e quando estamos num país em que há imensas barreiras de comunicação pode ser quase grave.

Numa cidade que não dorme, que não pára, em que há milhares de serviços e estabelecimentos 24 horas abertos em funcionamento, em que as mil luzes e néons nunca se apagam, pensamos que tudo toma esse mesmo ritmo alucinante, no entanto nas últimas semanas aprendi a ser mais paciente.

Tudo aqui me demora o dobro ou o triplo do tempo que normalmente me demoraria e sou surpreendida diariamente com a multi-diversidade desta cidade.

Tokyo é um conjunto de diversas pequenas cidades, todas elas se distinguem, umas com mais ou menos semelhanças entre si, no geral há lugar para um pouco de tudo.

Templos e arranha céus co-habitam os mesmos espaços e senhoras vestindo tradicionais kimonos passeiam regularmente  por entre ruas das lojas mais chiques e caras.

Num comboio extra rápido (Shinkansen) a caminho de Kyoto, uma senhora ofereceu-me uma tangerina. Não tenho medo que esteja envenenada.

Outra coisa interessante, e que para mim é um contraste ao pensamento geral de que todas as grandes cidades são perigosas e violentas. Não senti qualquer receio ou perigo e não vi nada que se salientasse à habitual ordem da cidade, tenho diariamente e maioritariamente  estado sozinha por toda a cidade às mais diversas horas de noite e de dia.

Já quase no final da minha viagem, e depois de um dia de observatórios modernos em arranha céus citadinos, saí de Tokyo por um dia rumo à zona de Hakone.

Hakone é uma zona, entretanto turística, onde se organiza um percurso entre vários transportes, comboios locais, teleféricos, e no final um barco que atravessa o lago  Ashi. De vários pontos é possível vislumbrar o belo Monte Fuji, um vulcão adormecido, e também o ponto  mais alto no Japão com 3776 metros.

Como disse no dia anterior tinha passeado por entre gigantes arranha céus, entre observatórios que mostram uma paisagem nunca antes vista, distancias a perder de vista de casas e prédios sem fim. Algumas horas depois e à distância de pouco mais de 90 km, estou num hot spring entre senhoras japonesas.

Os hot springs, são os famosos banho quentes em piscinas, ora naturais ora artificiais e que são abundantes nesta zona. Nestas piscinas pouco fundas, fumegantes, ao ar livre, neste caso rodeada por montanhas,  uma senhora à entrada diz me algumas vezes certificando se que não ia enganada, “naked!” senhoras e senhores banham-se em piscinas distintas.

A vista é deliciosa e depois deste percursos e vários transportes, de muitos disparos de muitas exclamações de admiração entre turistas maioritariamente japoneses, volto a Tokyo, que continua ao mesmo ritmo alucinante.

Adolescentes extravagantes, acotovelam-se entre si, riem-se e apontam para mim com um ar divertido. O “estatuto Ocidental”, se é que existe, sente-se por vezes quase de forma pesada no Japão. Penso que o facto de ser rapariga com ar de garota e sozinha não ajudou a passar despercebida. E assim sendo outros ocidentais também não passam despercebidos, retribuindo sorrisos e conversas banais em inglês.

Já em Kyoto, voltei a experienciar a gentileza dos japoneses. Um amigo finlandês esteve na cidade a estudar o ano passado, ao saber que eu estava lá, pôs me em contacto com alguns amigos. Sem nos conhecermos, sábado à noite, foram me buscar ao hotel, conduziram-me durante meia hora até outra parte da cidade onde iam cozinhar para outros amigos, estudantes internacionais. Depois de uma noite animada por entre japoneses e ocidentais rendidos à cidade e à cultura, os amigos do meu amigo, conduziram me de volta ao hotel, antes da meia noite quando o hotel fechava.

No dia seguinte, com a minha mochila quase do meu tamanho, tento encontrar um cacifo na estação da cidade para puder passear durante o dia, antes do regresso a Tokyo. Um casal espantado, pergunta me num inglês  rebuscado se preciso de ajuda, também procuram um cacifo para o pequeno troller. Andamos os 3 durante cerca de meia hora à procura de um local na estação onde coubesse a minha mochila, disse lhes várias vezes que deixassem o trolller nos cacifos mais pequenos que iam aparecendo livres. No final ofereceram me para me transportarem no táxi até ao bairro de Gion onde eu queria ir. Disse-lhes que preferia caminhar e ver a cidade até lá de perto, olharam me outra vez espantados e despediram-se calorosamente.

A cidade é riquíssima historicamente, é povoada por mais de 2000 templos no geral e a mistura entre modernidade e tradição é nitidamente mais visível, a cidade moderna não é tão interessante como Tokyo, é preenchida de betão aborrecido e cada canto há uma cerca de verdura grande e intransponível, no interior mais um templo. Quase todos os templos são pagos, cerca de 4 euros por entrada. Mesmo assim, e talvez por ser domingo há pessoas a perder de vista.

Monges, gueixas, turistas japoneses e ocidentais, vendedores de souvenirs e habitantes  povoam  aquelas ruelas num domingo cheio de sol. No final da minha visita dei por mim no complexo de vários templos onde vendas supersticiosas de são populares entre os locais. Nestas placas apelam ao amor eterno, ou a riqueza, ou a sucesso... no final atam estas placas para que os deuses as possam ler!

De volta a Tokyo, experimento por momentos a 1ª classe do mesmo comboio bala. A hospedeira gentilmente me indica o caminha para a carruagem de 2a classe. Já semi instalada para sessão de leitura e musica paras as 2 horas que se seguiam, esqueci o meu modesto piquenique. Já na carruagem sobre lotada de 2ª classe invejo um pouco as elaboradas lancheiras dos outros passageiros. Passados alguns minutos vislumbro a mesma hospedeira com o meu saco de plástico e com ar preocupado entrega me o meu lanche.

No meu último dia em Tokyo, deambulei horas a fio por entre os vários distritos a tentar captar uma última essência daquela cidade incrível. Primeira paragem, mercado de peixe. Este é popular entre turistas que se deslocam cedíssimo para verem gigantes atuns que são leiloados e outras espécies nunca antes vistas para a maioria dos ocidentais.

Com a bateria fraca na minha câmara, tentei memorizar tudo mais precisamente possível, e fiz poucos disparos.

Por norma no final desta visita matinal segue-se um elaborado pequeno-almoço, sendo esta um dos melhores sítios para saborear peixe fresco. Quais cereais com iogurte e torradas com café, aqui come-se peixe cru desde as 6 ou 7 da manhã e filas de gente esperam um lugar nos populares cafés de suchi. Decidi que queria experimentar mesmo com fortes dúvidas acerca da experiência, e uma vez mais, uma experiência a acrescentar à lista de coisas nunca antes vistas ou vividas antes desta que foi uma viagem maravilhosa.

Para trás fica um saco de memórias e um desejo forte de voltar."

 

 

* Ana Rita Sousa, tem 24 anos e é do Juncal. Terminou recentemente o curso de Design Industrial na ESAD das Caldas da Rainha e está a terminar um estágio profissional na Holanda.

O texto que nos enviou, e que agradecemos, relata uma viagem ao Japão, onde expôs um trabalho na Tokyo Design Week.

publicado por Autores do blog às 08:08
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De Luis Malho a 2 de Dezembro de 2009 às 08:49
A Rita é nossa irmã e temos um enorme orgulho, por aquilo que ela já fez, apesar da idade.

Rita, o Japão foi uma surpresa, também para mim, pelo relato que fizeste, foi pais que nunca me tinha seduzido, até agora...

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