A falta cirúrgica traduz, em futebolês, uma atitude faltosa, incorrecta e à margem da lei, mas praticada com uma enorme precisão, a começar pelo local onde acontece. É essa precisão que contribui para a dimensão cirúrgica da falta. Mas não chega, é preciso que a jogada interrompida dessa forma seja obviamente potenciadora de perigo.
A falta cirúrgica é pois aquela que é cometida com grande precisão, sem possibilidade de falhar o seu grande objectivo, que é anular uma jogada perigosa do adversário. Jogada perigosa que é tão só a que tem previsíveis condições de resultar em golo.
Começamos a perceber que estamos a falar de qualquer coisa, se não contra natura, pelo menos de grande carga anti desportiva. De qualquer coisa imoral, sendo que a moral no futebol se resume na feliz expressão inglesa “fair play”. Que vai para além da nossa simples tradução – jogar justo – atingindo uma dimensão de respeito muito mais universal que remonta às origens do futebol, um jogo então praticado por gentlemen.
Talvez não tenhamos grande dificuldade em aceitar que, no calor do jogo, na enorme pressão da competição, os jogadores recorram a essas práticas anti desportivas e condenáveis no plano da ética do jogo. O mesmo se não passará quando vemos muitos dos agentes a quem compete divulgar, enobrecer e prestigiar o jogo, defende-lo, quando por mais não seja porque que vivem dele, porque a sua vida depende do futebol, a exaltarem prática da falta cirúrgica e a premiar o seu autor como se de uma grande jogada se tratasse. Custa a entender como a promovem, ao ponto de chamarem ingénuos, como acontece nos comentários aos jogos da CAN, a competição africana a decorrer em Angola, aos jogadores africanos que ainda resistem ao seu recurso.
Não sei, francamente não sei, se a forma como os narradores e comentadores portugueses premeiam o recurso à falta cirúrgica é comum a outros países e noutras culturas. Mas sei que esta atitude dos que comentam e narram o futebol em Portugal não pode ser dissociada da realidade do futebol nacional, sempre pronta a alimentar uma guerra de guerrilha que arregimenta e mobiliza cada vez mais mercenários que, evidentemente, se estão nas tintas para o fair play, para o são convívio que o futebol tem todas as condições de promover e para o respeito pelo sentimento alheio.
O que vimos assistindo nos últimos dias é paradigmático. Autênticas acções cirúrgicas espalhadas por todo o espaço mediático que mais não visam que incendiar o clima de guerrilha já claramente instalado. Clima alimentado por uma enorme legião de comentadores, estrategicamente posicionados nesse espaço, mercenários pagos para fazer a guerra, que deveríamos, todos, deixar a falar sozinhos.
Quando vemos, como vimos e ouvimos nas escutas divulgadas na semana passada, um jornalista que se supunha prestigiado e ética e deontologicamente inatacável – António Tavares Teles – tornar-se parte activa na trapaça urdida em torno do Deco, em 2004, percebemos como é fácil instalar e alimentar a guerrilha.
Por tudo isto é bom saber que há gente que gosta de futebol e que sente e vive a paixão pelo seu clube como um sentimento que sabe cruzar-se com outros sentimentos. Que não se esgota na paixão cega, que não defende a falta cirúrgica, mas uma paixão que serve de nascente que alimenta outras paixões. Por tudo isto me deliciei com um fantástico texto do José Fialho Gouveia, que já aqui trouxe noutra oportunidade, publicado na Mística – revista oficial do S.L. Benfica, “postado” na passada terça-feira no nosso vizinho forte “Albergue Espanhol”, e que o Pedro Oliveira aqui “linkou” anteontem. E me deliciei com os inúmeros comentários de gente de todas as cores clubísticas, entre os quais o de uma leitora que entendeu, como muitos outros, complementar ou rematar o seu comentário. Fê-lo desta forma: “É completamente irrelevante para o caso, mas sou azulona”.
Afinal ainda há gente a ver o futebol assim: onde a nossa cor pode ser sempre completamente irrelevante para o caso. Onde nos possamos rever nos sentimentos dos outros, independentemente da sua cor. Onde sintamos que a nossa paixão é respeitada quando respeitamos a do outro, sem que para isso tenhamos, evidentemente, de deixar de brincar e de apimentar as brincadeiras. Onde possamos todos dizer que não gostamos de faltas cirúrgicas!
Prof. António Câmara - Palestra
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