Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 2010

Mater(eter)nidade #1

 

Qualquer criança nasce de uma história que a trouxe ao mundo, história própria de cada um dos pais, história do encontro deles, do seu desejo de ter um filho! Antes que nasça, este bebé é já pensado, “falado” e sonhado.
Esta criança sonhada, idealizada, corresponde aos nossos desejos e projectos para o seu futuro. Durante a gravidez projectamos o nosso filho do ponto de vista físico e psicológico.
Por um lado, sem quase nos darmos conta, sonhamos com um bebé de pele branquinha, cabelo raro ou claro, olho claro (mesmo que nada tenha a ver com as nossas raízes), por outro lado sonhamos com um bebé tranquilo, que dorme bem, bem disposto, saudável, que se alimenta facilmente... mas muitas das vezes o bebé real nada tem a ver com o imaginado. Mas este filho imaginário tem um papel muito importante para a construção do futuro vínculo afectivo, embora seja fundamental fazer “o luto do bebé imaginário” (quando ele nasce) e a adaptação ao “bebé real” que não é perfeito: chora, faz birra, não adormece e não é um bebé de catálogo.
 
Este momento de adaptação ao real é, não raras vezes, gerador de grandes angustias, provocadas também pelas inseguranças próprias do novo e difícil desafio que é educar uma criança, que se deseja que seja feliz e que tenha um projecto de vida própria. Durante a gravidez vão-se ensaiando, cognitivamente, papeis e tarefas maternas, a ligação afectiva à criança, o inicio do processo de reestruturação das relações de casal para incluir o novo elemento, e simultaneamente, começa-se a aprender a aceitar a criança como pessoa única e com vida própria.
 
Há um factor determinante para a maneira como se vai viver este momento único… a enorme pressão social para o estado de felicidade inquestionável que a mãe tem de sentir, sem lugar à expressão dos seus medos, angustias, sem atender à revolução hormonal e todo um turbilhão de emoções contraditórias próprias de quem está a passar por um momento desses. Por receio de não serem compreendidas e de forma explícita ou latente serem apelidadas de más mães, as mulheres silenciam o que estão a sentir. Esta pressão social leva a que muitas vezes este estado de tristeza, pelas inseguranças e adaptação constante, que prefigura uma situação normal, evolua para um estado patológico ou para a tão (pouco) falada depressão pós parto. Estes sentimentos inerentes ao novo papel vão contra uma ideia culturalmente esperada do que é ser mãe e do que se deve e não deve sentir e por isso muitas mulheres têm vergonha de falar sobre o que estão a sentir e que muitas vezes é diferente do estado de perfeita felicidade que é veiculado. As consequências da depressão pós-parto são gravíssimas para todos os envolvidos na dinâmica familiar.
 
Ainda ontem alguém me perguntava “Então como estás?” para de seguida, sem sequer me dar tempo responder dizer “Claro que estás bem, uma mulher grávida TEM de estar sempre bem disposta”. Sim, estava, mas se não estivesse? Quem dá espaço para poder falar dos medos? Inseguranças? Não é importante “ventilar” estes sentimentos e poder construir em cima deles para que nos sintamos mais seguras?
 
O papel materno desenha-se sobretudo na capacidade de se ser genuíno com o que se está a sentir, procurando lidar com o culturalmente esperado, sem nos deixarmos esmagar. É sobre estes alicerces que se começa a desenhar o papel materno e se constrói a capacidade e disponibilidade para amar incondicionalmente, numa relação continuada, segura e autêntica. Uma relação para o resto da vida!
 
É sobre estes alicerces que se constrói a aceitação do filho que acabou de chegar e se começa construir a relação de futuro!
publicado por Telma Sousa às 07:30
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6 comentários:
De Pedro Oliveira a 11 de Fevereiro de 2010 às 09:00
Mas o pior, em termos de pressão familiar e dos amigos, ainda está para vir,pois é...
Os dias seguintes ao parto são os piores dias para pais e criança, as visitas aos "molhos" nos horários mais diversos, as festinhas, os colos, as perguntas, parvas, maior parte delas, as prendas e o "experimenta lá", o é parecido com o pai, com mãe , com tio,... O espaço para o pai ,a mãe e o filho se "curtirem" e adapatarem à nova realidade não existe, é um atropelo constante ao direito a estarmos simplesmente sós e a aprender a viver o resto dos nossos dias em familia.
Por isso se te for possivel fica em casa só com o teu marido e criança, a familia e amigos vão ficar chateados,porque não querem pereceber, mas depois passa-lhes. Foi assim que fizemos como os nossos dois filhos, definimos regras e horários e não há visitas sem telefonar primeiro a saber se é oprtuno ou não.Desligar o telefone também pode ser uma boa ideia.....
De anónimo´s a 11 de Fevereiro de 2010 às 12:22
Parabens!
Parabens!
Saúde para todas as mães presentes e futuras que sabem que a vida não depende de uma vontade circunstanciada ou contingente.
Texto denso, profundo.
Caríssima, não consigo dizer se é bonito ou não, porque os textos não são para o serem; mas vejo a procura de uma axiologia autónoma no seu ser em vista da nova relação (permanente! como bem diz).
Acarinhemos o que é permanente.
*
Parabens.
De anónimo´s a 11 de Fevereiro de 2010 às 12:30
Se nao incomodar , direi terminando:
--como vc, cultive no novo ser o gosto , o carinho, o amor
pelas coisas que valem (valores),
pelas coisas que já eram antes de sermos (tradição),
pelas coisas que são e que permanecem (conhecimento),
pelo questionar a falibilidade humana (tolerância),
pela cultura de cada homem, grupo ou comunidade (racionalidade),
pela visão necessária em vermos num Outro algo de bom (ética).
*
Parabens.
De Eduardo Louro a 11 de Fevereiro de 2010 às 13:20
São várias as vertentes que aborda Telma. Fico-me pelo tema da felicidade permanente e obrigatória da grávida, que a sociedade, ao estilo do politicamente correcto, impõe, à margem da realidade da mulher, na sua condição de grávida. Uma realidade feita de bom e mau humor, de momentos bons e maus, que tanto podem ter alguma coisa a ver com a gravidez como podem nada ter a ver com esse estado. Como se a gravidez não só se sobreponha a tudo mas "seque" e destrua tudo o que é vida para além de um estado. É um tema que está na moda. Tenho-o visto tratado com grande frequência nos últimos tempos e acho-o interessante, particularmente numa perspectiva de abordagem de duas vidas que partilham uma e rigorosamente a mesma vida tendo, inevitavelmente de se chocar, de se "atropelar" e de "conflituar".
PS: este comentário foi parar ao post anterior mas agora aqui está, no seu sítio!
De Fred Pungo a 12 de Fevereiro de 2010 às 00:24
Telma, Telma: ter um filho é parir e com essa fórmula mágica é dar vida a alguém que não sabemos quem será mas que amaremos sempre. Ter filhos é uma benção.Estive 13 anos sem filhos sem explicação médica, por isso sei avaliar a felicidade de os ter. Mesmo hoje, que são adultos, amo-os como sempre e sem constrangimentos. Essas lucubrações , embora intelectualmente respeitáveis, fazem parte dos actuais tempos de "intelectualizar a chapa de aço". Por isso, sempre fui um "activista" de você ficar grávida. Tenha lá a criança para nós (também) sermos felizes. (O meu computador não quer que continue o comentário porque está sempre a mastigar e aquecer por isso termino). Beijos. Manuel Gomes.
De antonio carvalho a 14 de Fevereiro de 2010 às 12:35
Talvez não se enquadre bem no post, mas como às vezes os inventores de versos(poetas ?) escrevem determinadas coisas que depois nos transmitem outras emoções, visões de nascimento, morte e felicidade, este post levou-me a este poema que escrevi hà uns anos, sobre maternidade, genese e dores de parto.
Então aí vai:

MORRER DE TANTA VIDA

É o espaço
daquele outro pequeno espaço.
É quando se colhe
o mais infinito dos gostos,
e se sente
o mais profundo
onde existes.
É o gozo de tanta vida
que já a morte é estrada
longa, perene e plana
onde entrego esta taça
de Viver.

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